Vida da Missionária Margery Harris

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Desde que aqui chegou, só retornou à Inglaterra uma vez, por ocasião de umas férias da missão.

Sua vida foi marcada pela fé, amor ao próximo e serviço, sendo uma lição aos que se negam, ou não puderam ainda sentir o prazer e a emoção de fazer o bem.
Não se precisava de muito tempo de conversa para conhecê-la. Em poucos minutos, seu sorriso franco, a gargalhada mais contagiante e os gestos ágeis de quem viveu em juventude plena, nos arrastavam de maneira inebriante para dentro de suas histórias.

 

Raras são as pessoas que reuniram tantas virtudes. Em Margery elas se confundiam entre o ser e o agir. Defeitos, deveria tê-los como todo mundo, mas duvidamos que fosse fácil encontrá-los.

Aos 95 anos, só a bondade e a dedicação ao próximo poderiam explicar a magia e o encantamento de sua personalidade.

Na Inglaterra, a vida lhe ensinou muito cedo a independência e o amor a Deus. Aos 8 anos, perdera a mãe e permaneceu com o pai até aos 12, quando este se casou e Margery não quis ficar com a madrasta, indo para a casa de uma tia.

Após concluir o estudo regular, ingressou no curso de formação de parteiras. É como um curso técnico, que se realiza após concluir o 2º. Grau ou colegial, no Brasil. Identificava-se muito com essa atividade e não há como calcular quantas crianças vieram ao mundo pelas mãos hábeis de Margery Edge Harris.

Numa instituição de caridade, nos moldes de uma casa para mães solteiras, as meninas, como dizia D. Margery, lhe ensinaram muitas coisas; em troca recebiam carinho, cuidados na hora do parto e no trato com o bebê, orações e sobretudo compreensão. Há de se imaginar as dificuldades enfrentadas por essas moças, engravidando solteiras no início do século, quando os costumes e os valores eram muito mais rígidos e apontavam para a exclusão de qualquer que violasse as regras determinantes da conduta social. A maior parte das moças que estavam ali, naquela casa, tinham sido expulsas de seus lares e seus filhos, quando nasciam, na grande maioria, eram colocados para adoção. A própria D. Margery adotou uma criança que não pôde trazer para o Brasil, tendo que deixá-la com a cunhada. Mas esse ato de amor, não parou nessa tentativa frustrada em razão das leis inglesas; aqui no Brasil, criou outros filhos de outras mães, que por vários motivos, tiveram de deixá-los em mãos desconhecidas, porém capazes de exercer com a mesma sabedoria a maternidade.


"Sempre me dei bem com as crianças.
Criei muitas e de todas as idades".


Não só ajudando vir à luz tantas crianças, mas sobretudo iluminando tantos caminhos, Margery transformou sua vida num verdadeiro servir e desde que deixou a Inglaterra, como missionária da Igreja Neo-Testamentária com destino ao Brasil, em sua casa nunca faltou espaço para os que dela precisaram. Nunca pôde gerar filhos mas experimentou, e por inúmeras vezes, as emoções de ser mãe.

Ao lado do marido, Mr. Charles, falecido há alguns anos, peregrinaram juntos nas ações missionárias. Tendo se conhecido na Inglaterra acabaram se casando em Corumbá, MS, Brasil.

Nove anos antes de vir para o Brasil, por ocasião de um encontro da juventude missionária em Liverpool, a coordenadora do grupo de Margery, mostrou a ela e outras três amigas os rapazes que estavam de partida para as missões estrangeiras, pediu às moças que escolhessem entre eles um para dirigir suas orações. Mr. Charles, o do acordeon, foi o escolhido por Margery. Era a primeira vez que se encontravam. Acabaram namorando e quando Margery veio ao Brasil, já estavam noivos.

Logo que chegou em Corumbá, num vestido emprestado por outra missionária, casaram-se. Ela não falava uma palavra em português e um "cutucão" de Mr. Charles era o sinal de que chegara a hora de dizer o "sim".

 Mr. Charles foi um dos fundadores de Rondonópolis, MT, Brasil, quando por lá havia apenas mato e os seus habitantes, os índios boróros. Conta Margery que certa vez, tendo o Mr. Charles que ir a Cuiabá fazer compras deixou o cacique muito doente sob os cuidados dos outros missionários, inclusive uma enfermeira. O cacique morreu e a tribo, revoltada, assassinou todos os outros missionários.

Embora o acontecimento não deixasse de ser um momento triste e de grande constrangimento, essas passagens eram contadas com tamanha riqueza de detalhes que nos sentíamos telespectadores de um filme interessante. Outra passagem, lembrada por ocasião do casamento e acompanhada de um sorriso maroto foi que, na madrugada que aconteceu a cerimônia, às 2 horas da manhã, Mr. Charles foi buscar Margery na casa em que se hospedava, pois a esposa do pastor estava dando à luz. Tudo correu normalmente e a criança veio sadia, mas a noite fora por demais cansativa, tanto que na hora da cerimônia, pastor e noivos sentiam muito sono, e os cochilos misturavam-se ao ato solene de maneira discreta, mas observado por todos.

De Corumbá, subindo o rio Paraguai, o casal seguiu para Cáceres onde viveram 17 anos. Foram sete longos dias de viagem. À noite o grupo ancorava às margens do rio e se embrenhava floresta adentro, em meio às árvores e protegidos pela fé e pelos mosquiteiros, contavam os minutos para rever o sol e continuar a viagem ao destino.

Em Cáceres, MT, a missão de Margery não parou. Fazendo partos, cuidando de crianças e ensinando os princípios do Evangelho, ela e Mr. Charles não demoraram muito a se tornar bem conhecidos. A Igreja Neo-Testamentária foi edificada em terreno comprado por Mr. Charles, durante o tempo em que lá viveram.

Após 5 anos em missão pelo Brasil, os missionários podiam retornar ao seu lugar de origem, onde permaneceriam por um período de um ano.


"Quando saí, pela última vez da Inglaterra, não pude nem me despedir dos amigos. Era a guerra!"
Por ocasião dos preparativos da viagem de volta ao Brasil, eclodia a 2ª Guerra Mundial e eles não podiam ficar na Inglaterra.

Várias vezes tentaram, mas a viagem era desmarcada. Quando chegou o momento da partida, tudo aconteceu de maneira tão rápida e inesperada que não houve tempo para as despedidas, e Margery nunca mais viu seus amigos ingleses.

À bordo de um navio de emigrantes, na 2ª classe, Margery viu de perto os horrores da guerra e lembrava-se que a tripulação, formada em grande parte por religiosos, pediam para que nada os interceptasse, para não terem que lançar mãos às armas. Nessa viagem. Ela contava que, após vários dias, numa manhã de céu azul, a embarcação aumentou repentinamente a velocidade e começou a navegar em zigue-zague. O comandante determinou que todos usassem seus salva-vidas pois um submarino alemão aproximava-se. Ela ouvira uma voz que lhe orientava, sob os tiros de um canhão, para que ajudasse as mulheres a manterem a calma e Margery, entregando-se a Deus, dispensou o salva-vidas para demonstrar que nada temia. Orando muito, mas com serenidade, viu desaparecer o submarino, apenas um emigrante português, bastande idoso, não havia suportado o perigo e faleceu. O lançamento do caixão ao mar foi uma lembrança que marcou durante muito tempo, os pensamentos de Margery.


"Uma voz, muito clara, me dizia que chegaríamos em segurança"

Esse seu ato de coragem teve o reconhecimento do comandante, que acabou transferindo-os para um camarote na primeira classe.

A notícia de que o navio havia sido abalroado pelo inimigo chegou à Argentina, sede da Missão na América do Sul e só quando a embarcação atracou naquele país é que os companheiros missionários souberam que Margery e Charles já estavam à salvo no Brasil.

No início da década de 50, o casal transferiu-se para Araçatuba, SP, para fundar nessa cidade a igreja e do mesmo modo, Margery e o esposo ficaram logo conhecidos não apenas pelas suas atividades religiosas, ou pelas aulas de inglês que lhe ajudavam na sobrevivência, mas sobretudo pelas ações caridosas àqueles que viviam em situação difícil.

Como na Inglaterra ou Cáceres, Margery fazia os partos, ajudava a levar fé e o evangelho a tantos que sofriam e cuidava das crianças que colocavam em suas mãos.

Para reforçar o orçamento, davam aulas de inglês pois o dinheiro que vinha da missão não era suficiente para mantê-los.

"Nunca contamos a eles os nossos apertos"

(Liverpool, Inglaterra, 1904-1999, Araçatuba, SP, Brasil). Faleceu às 11 horas da manhã de 19/04/1999, na cidade de Araçatuba, SP, Brasil, acometida de pneumonia. Inglesa de Liverpool, veio para o Brasil em 1930 em missão evangélica.

     "Fui separada por Deus para servir às pessoas".

A primeira Igreja Neo-Testamentária de Araçatuba foi próxima à praça Tókio e D. Margery dizia que nesta época, muitos japoneses freqüentavam as reuniões e acompanhavam Mr. Charles nas comunidades mais pobres, onde era preciso distribuir comida e remédios e outros tipos de ajuda.

Nunca se preocuparam com a quantidade de fiéis, pois acreditava D. Margery que o sentido da fé está no tamanho das pessoas, que vão crescendo e trabalhando no caminho do bem. Atualmente, a Igreja Neo-Testamentária desenvolve suas atividades à Rua Coêlho Neto e à Rua Guaianazes, no bairro Paraíso.

Resguardando algumas tradições inglesas, o chá ao meio da tarde era um hábito que D. Margery não abria mão; e a fotografia num quadro à parede, já antiga, da família real inglesa, nos testemunhavam a origem da dona daquela casa tão bem arrumada.

Num português carregado de sotaque inglês, misturando muitas vezes a língua pátria na conversa, ela não se abatia nem ao lembrar das passagens mais tristes de sua vida.

Seu exemplo de fé, de amor ao próximo, de dedicação à missão de levar o evangelho a todos, ficou evidenciado nas suas expressões, gestos e ações.

Apreciando a personalidade de Margaret Tatcher, que não pensa em si mesma, mas somente no povo inglês, D. Margey estava sempre atualizada com as notícias da Inglaterra, pois todas as noites, quem falava em seu rádio era a BBC de Londres. Uma infinidade de cartas, também a ajudavam a manter-se informada sobre o que girava em tantos lugares e a correspondência com os amigos era um outro hábito que nos fazia encontrar Margery sempre debruçada em papéis, envelopes e fotos.

À Inglaterra, ela não tinha mais vontade de voltar, pois a certeza de que tudo mudou muito a desencorajava. Por outro lado, acreditava que não se adaptaria mais àquele clima bem mais frio que no Brasil.

Quanto ao Brasil, o que mais lamentava, era sob o número de analfabetos e a irresponsabilidade de tantos, mas admitida que gostava muito do povo e achava que a mistura de raças fazia as pessoas mais bonitas e simpáticas.

Comentários   

 
+2 #1 neusa maria teruel d 26-12-2015 17:14
Meu Deus!!!!!!! quanta emoção ver este rosto tão querido!!!!!! D. Margery, minha infância só teve alguma alegria porque a senhora fez parte dela.Os natais inesquecíveis na Igrejinha da rua Guaianazes!!!! o bolo ingles, feito com antecedência. A senhora me ensinou amar a bília. Tudo que aprendi devo à essa pessoa iluminada. Ganhei hinários, bíblias pois muitas vezes fui a primeira aluna da escola dominical. Enquanto eu viver, jamais esquecerei deste casal enviado por Deus para trazer luz e esperança à minha vida.
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